A era Tite no Flamengo começou com a cara do treinador. O início do texto é clichê e o título da matéria também, mas nada mais Tite do que uma vitória por 2 a 0, sem sustos e com impressionante solidez defensiva. "Não tem controle durante os 90 minutos", disse o gaúcho após o jogo. De fato não houve: o Cruzeiro começou melhor, mas o Rubro-Negro pouco sofreu nos momentos em que o rival foi sutilmente dominante.
Nada clichê, porém, foi a capacidade de Tite de mudar um time ainda no primeiro tempo. A criatividade estava em desuso no Flamengo de Sampaoli, mas o gaúcho mexeu peças em seu tabuleiro e deu um xeque-mate que matou o Cruzeiro num intervalo de cinco minutos.
Na parte final do primeiro tempo, mexeu no quadrado do meio-campo. Gerson saiu da esquerda para direita, e Éverton Ribeiro foi centralizado. Um Flamengo pouco criativo e que tinha conseguido finalizar somente aos 32 minutos, com Pedro, transformou-se. Essa finalização, aliás, nasceu de roubada de Erick Pulgar - como jogou o chileno - e foi precedida de um dos últimos passes de Ribeiro pela direita.
Antes do chute do camisa 9, o placar de finalizações estava em 0 a 0. A defesaça de Rossi no início do jogo veio após cabeçada de Ayrton Lucas contra o próprio gol. Ali acontecera o único erro coletivo do primeiro tempo. Éverton Ribeiro não conseguiu completar passe para Wesley, que estava espetado. Com isso, Marlon desceu com grande liberdade e levantou na área. Ian Luccas apareceu às costas de David Luiz, mas Ayrton o atrapalhou e desviou. Sorte é que o argentino conseguiu o corte de mão trocada.
"A mudança"
Quando Gerson foi deslocado, o lado direito todo começou a funcionar melhor. O Coringa tornou-se dono do time, um latifundiário do setor que dominara. Com timing correto para os passes, potencializou Wesley e sempre esteve atento ao combate muito bem realizado por Erick Pulgar.
O primeiro gol, porém, foi finalizado pelo lado esquerdo. A jogada começa com um zagueiro que enxerga o jogo e participa da construção. Depois de o Flamengo fazer o Cruzeiro balançar de um lado para o outro, Fabrício Bruno, da direita, inverteu para o livre Bruno Henrique. O camisa 27 amorteceu de cabeça, Ayrton tocou para Éverton Ribeiro, que enxergou a progressão de BH. Com espaço, o último cruzou, e Castán cortou parcialmente. Ayrton Lucas, agudo, agressivo e confiante como nos melhores momentos do início de 2023, dominou e abriu o placar de pé direito.
O segundo, sim, teve o desenho da mudança de Tite. Éverton Ribeiro, centralizado, puxou o contra-ataque. Bruno Henrique não aproveitou, mas o próprio Éverton tocou em Gerson, que mais uma vez esperou o momento certo de tomar a decisão. Tentou passe para o camisa 7 e esbarrou em um toque de mão. Nada de pênalti marcado.
Pois o Cruzeiro sai para o jogo, Neris cochila, e Pulgar surpreende o adversário com roubada de bola que vira passe para Wesley. O lateral toca em Gerson, que aguarda o momento correto para devolver. Neris, que já errara antes, atropela o rubro-negro e se acusa ao levantar os braços para dizer que nada fez. Agora é pênalti. Dos 38 aos 43 minutos, o Flamengo coloca o Cruzeiro nas cordas.
E aqui vai mais um clichê: o Flamengo "soube sofrer" quando o Cruzeiro atacava e foi para o intervalo com 2 a 0, 61% de posse de bola e 4 a 0 em finalizações.
Flamengo cozinha o Cruzeiro no segundo tempo
O Rubro-Negro voltou do segundo tempo ainda mais senhor do jogo. Gerson era a representação disso pelo lado direito. Mandava e desmandava. Apanhava bastante de Marlon e Nikão, mas mantinha-se firme para, ao lado de Éverton Ribeiro, manter o controle nas mãos do Flamengo.
O Flamengo teve um susto logo no início da etapa, quando David Luiz torceu o tornozelo direito. Pablo, que pouco jogava com Sampaoli, entrou bem e foi um dos símbolos de outro grande trunfo do time na vitória no Mineirão: a bola aérea. Ganhou todas as disputas por cima, algo que Fabrício Bruno, Pulgar e um participativo Pedro vinham fazendo com louvor também.
Com Gerson e Ribeiro controlando a posse seja com dribles, timing ou passes de primeira, o Flamengo cozinhava o Cruzeiro. Dava até para ampliar caso Wesley, que fora importante com o pênalti sofrido e muita disposição, não errasse dois contra-ataques que pareciam cristalinos.
Houve um pequeno momento de instabilidade entre os 25 e 30 minutos do segundo tempo, quando o Cruzeiro começou a chegar com Mateus Vital e Nikão pelo lado esquerdo, mas aí a experiência de Rossi entrou em campo.
O goleiro argentino soltou duas bolas defensáveis e, ao sentir o momento do adversário, desabou no chão. Alongou-se, gesticulou e levou um cartão amarelo. Os quase cinco minutos de "cera" foram fundamentais para esfriar o Cruzeiro e rechaçar qualquer tipo de reação.
Enquanto Rossi ganhava tempo, Tite conversava com Gabigol, Everton Cebolinha e Arrascaeta. Por mais que não tenham feito diferença, os três entrariam na mesma sintonia dos que estavam em campo.
Segundos após as mexidas, Cebolinha recebeu pela esquerda, entregou a Pulgar, que deixou Gabigol em boa condição para finalizar. O chute saiu mascado. A atitude, porém, não passaria despercebida.
Independentemente do resultado da jogada, o importante é que Gabigol, embora ainda muito fora da área, mostrou-se dinâmico. Arrascaeta, mesmo sem estar no melhor que pode fisicamente, ajudou na construção e na tarefa de manter a posse com os rubro-negros, inclusive com um belo passe de letra para Cebolinha.
O Flamengo foi clichê. Fez jus à fama de Tite, visto por muitos como melhor treinador do Brasil, e venceu com tranquilidade. Não tomou sustos, defendeu-se bem e soube ser letal. Se não teve o controle por 90 minutos, em nenhum momento deu qualquer indício que poderia ser derrotado.
Sem um futebol brilhante, Tite devolveu o Flamengo à "programação normal" de entrar como favorito contra os adversários. Por essa vitória solida, coloca-se em tal condição mais uma vez para o clássico de domingo contra um Vasco em ascensão.